Um dia no jardim
Continuando o assunto da postagem anterior… ficamos acampados no jardim do hotel por mais de 24 horas… até quando enfim fomos para o aeroporto no dia seguinte ao terremoto. Nas primeiras horas apenas esperamos e jogamos conversa fora. Nosso grupo era composto por tripulantes das Filipinas, Marrocos, África do Sul, Etiópia, Itália, Coréia, e pilotos de Bahrain, Oman, Grécia e Indonésia. Apenas eu brasileira. A maioria estava no hotel no momento do terremoto. Saíram dos quartos do jeito que estavam e eu neste ponto tive sorte, pelo menos havia tomado meu banho, meu café da manhã, tinha meu celular, dinheiro, caso tivesse algum aperto. Uma das comissárias estava no Templo dos Macacos e havia retornado ao hotel cerca de meia hora antes do terremoto, o que foi muita sorte pois este foi um dos locais que sofreu danos terríveis.
Terremotos menores ocorriam de tempo em tempo. Você pode sentir e ver a terra tremer embaixo de você e a sensação não é nem um pouco agradável. Mas na medida do possível tentamos manter o bom humor. Um dos meus colegas, marroquino, de repente sumiu. Estávamos já ficando um pouco preocupados, quando ele aparece um tempo depois com algumas compras. Ele foi atrás de algum mercadinho para comprar lanches para nós. Algumas meninas estavam com fome, eles haviam dado garrafinhas de água mas fora isso estávamos apenas esperando, todos, hóspedes e funcionários do hotel. E naquela momento internet também não funcionava.
Com o passar das horas o gerente do hotel disse que não era seguro que retornássemos aos quartos e que eles fariam o melhor para que os hóspedes ficassem o mais confortável possível. E de fato fizeram. Fomos cuidados, literalmente. Eles preparam 3 refeições ao longo deste dia para nós. Montaram buffet no jardim. Providenciaram lanches, chá, café, água. Trouxeram colchões, travesseiros, edredons, tudo o que puderam para que ficássemos bem na medida do possível. Agora pense que estas pessoas que estavam nos cuidando perderam casas. Estavam na dúvida de como seriam os próximos dias. Perderam talvez familiares e amigos. E estavam ali nos servindo, com boa vontade, com atenção e cuidado.
Eu tinha medo até de ir no banheiro, pois outro terremoto poderia acontecer e o teto desabar. Tomar banho era perigoso. E naquela altura já pouco me importava qualquer luxo, qualquer frescura, eu só queria estar bem e segura. Queria estar forte caso precisasse sair correndo. E nada além disso me preocupava. Qualquer insatisfação que eu tivesse na minha vida, qualquer coisa que pudesse ter me aborrecido antes daquele dia havia simplesmente perdido o valor. Você vê que a vida é frágil. Que caso a natureza se revolte e chegue a hora de partir, com a morte vão juntos as brabezas, os ranços, desentendimentos. E isso pode ocorrer em menos de um minuto, pois muita gente morreu durante os segundos de duração daquele terremoto.
Aí em meio a esta reflexão você se dá conta de que é estrangeiro, em um país muito pobre que acaba de sofrer uma grande destruição por conta de uma catástrofe natural e as pessoas que nasceram ali e vivem uma vida de sacrifício e trabalho são as pessoas que estão cuidando do seu bem estar. Da sua refeição, e do conforto que pode ser oferecido. Pessoas que perderam muito, mas ainda tem algo para doar. Isso nos surpreendeu, nos fez refletir e repensar muita coisa. Foi uma lição.
Quando anoiteceu eu me distraí conversando com uma menina e não vi meus colegas entrarem no hotel para pegar as malas. Vi quando eles voltaram, mas neste momento os funcionários do hotel disseram que se eu quisesse subir era minha responsabilidade, pois poderia haver outro terremoto. Eu fiquei indecisa, pois meu quarto era no quinto andar. Um piloto que foi um paizão para nós se ofereceu para ir comigo. Fomos o mais rápido possível, pegamos minhas coisas e descemos de volta. No quarto, tudo estava revirado. No banheiro, a porta do box havia quebrado e trincado. Canecas e copos quebrados. O hotel também foi um pouco danificado, mas nada comparado com o horror que vi nas ruas.
Depois do jantar, quando todo mundo preparava as camas para dormir (no jardim mesmo), a situação piorou. Começou a chover. Havia uma tenda grande do lado do jardim, algumas pessoas já estavam dormindo embaixo desta tenda, mas eu estava com medo de dormir ali pois haviam colunas de concreto no meio e o prédio do hotel ao lado. Resolvi dormir bem na entrada da tenda, qualquer coisa dava tempo de correr. Foi bem difícil de dormir, a maioria das pessoas dormiu um sono pesado, mas eu estava com tanta coisa na cabeça, sem contar que toda vez que a minha colega que estava do meu lado se mexia eu achava que era a terra tremendo de novo. Um pavor. De manhã cedo houve outro terremoto mais forte, diferente dos menores que ocorriam de tempo em tempo. Mas foi apenas um susto.
Aquele primeiro dia passou assim. Passamos por algumas privações, muitas limitações, como ficar sem internet, poucas tomadas e todo mundo querendo carregar os celulares e numa hora dessas como é importante poder se comunicar com a família. Eu desligava meu telefone para economizar bateria. Quando ligava estava cheio de mensagens pois algumas pessoas que viram as notícias e sabiam que eu estava por lá. Eu não conseguia falar muito então apenas publiquei uma mensagem geral no Facebook. A diferença de fuso foi algo positivo pois meus pais souberam por mim o que aconteceu, pois enquanto tudo isso que escrevi nas últimas postagens acontecia, eles estavam dormindo.
Vou parar por aqui, na próxima postagem contarei como passamos nosso dia de retorno. Não estou colocando fotos nestas postagens porque quero meu blog bonito para vocês, sem imagens de tristeza. Mas, caso você tenha muita curiosidade (como quem acompanha este blog são pessoas com quem tenho contato) me mande uma mensagem que envio algumas fotos. De qualquer forma, se você pesquisar no google encontrará uma infinidade de fotos e vídeos, coisas muito piores do que vi... aqui quero apenas registrar minhas impressões para quem tiver interesse de saber mais sobre o que passei e também sobre minhas viagens. Até a próxima postagem, que será em breve!