Deixando o Nepal
O dia seguinte ao terremoto amanheceu bonito e ensolarado. Tomamos café da manhã, preparado no jardim, e aos poucos grupos de pessoas iam deixando o hotel. No dia anterior o aeroporto havia parado para as aterrissagens, de forma que naquele período só saíram do país aviões que já estavam lá, prontos para decolar. Mas felizmente no dia seguinte as coisas foram voltando ao normal, bem aos poucos.
Eu pensei nas crianças da escola. Felizmente ficaram
bem, nada aconteceu com elas. Mas me deu uma tristeza pensar que talvez
tivessem morrido e no trabalho tão legal que estava sendo feito para melhorar
as suas vidas. De qualquer forma, como eu havia deixado doações no concierge do
hotel, eu pedi para o gerente que deixasse que Lila (o motorista) levasse as
doações para a escola. Lila veio trabalhar naquele dia e quando me viu me
cumprimentou sorridente “Namastê madame”. Como se tudo estivesse bem... o local
onde ele morava foi ao chão. Ele estava acampado em um jardim com a esposa. Me
disse que a esposa não queria que ele fosse trabalhar, mas ele foi. Eu pedi
para ele, que quando as coisas estivessem estáveis, que levasse as doações para
a escola e o paguei.
Foi legal ficar deitada na grama no sol aquele dia. Eu
sou muito nojenta em relação a limpeza e me vi deitada na grama. Andando na
grama descalça. Sem contar que sempre coloco meus sapatos em saquinhos e tive
que atirar meus sapatos de qualquer jeito na mala quando fui buscar minhas
coisas, afinal precisava sair rápido do quarto.
Ficamos por ali. Já tínhamos um horário para sair do
hotel. O avião que iria nos buscar estava a caminho. A internet estava
funcionando bem. Já dava para entrar no hotel caso necessário, desde que fosse
algo sem demora. Terremotos menores já não ocorriam. As coisas pareciam estar
se normalizando.
Quando começamos a nos preparar para sair do hotel, aconteceu
outro terremoto, quase tão forte quanto o do dia anterior! Eu estava me
maquiando dentro do restaurante indiano e corri para o jardim. O terremoto
passou e ninguém no hotel se machucou, mas internet e o telefone pararam de
funcionar. E assim continuou.
Saímos do hotel do jeito que estávamos. Não era seguro
estar embaixo de um teto. No caminho para o aeroporto eu torcia e rezava para
que tudo estivesse bem e para que conseguíssemos chegar no aeroporto seguros. E
chegamos seguros, mas antes disso vimos horrores!
As pessoas estavam na rua, em tendas improvisadas. O
jardim do hospital era um grande acampamento. Casas e prédios destruídos, a
cidade estava parada. Era triste demais ver tudo aquilo. Pensar nos mortos, nos
feridos, na dor daquelas pessoas. Nós tínhamos a possibilidade de sair dali.
Eles não!
Chegando no aeroporto, o cenário era
catastrófico. Filas de quilômetros, famílias (agora de estrangeiros) acampados
na frente do aeroporto. Imagine, pessoas que viajaram em férias para conhecer
um país diferente, estavam passeando e a catástrofe acontece! Nós ainda
estávamos a trabalho. Não estávamos por conta própria, e tínhamos tudo certo
para sair dali. Aquelas tantas pessoas esperavam uma chance, quando tantos estavam
na mesma situação.
Tivemos que esperar por muito tempo ainda no
aeroporto, que estava extremamente cheio. Eu já não me comunicava com minha
família a horas. Enfim o telefone do piloto-paisão foi o único que teve sinal,
e todos nós usamos o celular dele para mandar mensagem para as famílias e
avisar que estávamos bem. Ajudamos o pessoal de solo no que foi possível. Aí vi
outra situação. Os nepaleses que trabalham no aeroporto, sofrendo as perdas
após o terremoto e trabalhando no meio do stress para que todas aquelas pessoas
cansadas e ansiosas pudessem viajar. E dependendo de inúmeros fatores para
conseguir acomodar o máximo de pessoas possível no avião. E estavam ali,
firmes!
Conheci um senhor angolano que estava ali esperando
para tentar embarcar em nosso vôo. Infelizmente ele não conseguiu. Conversamos
bastante, como ele fala português ele me contou como ele havia experenciado o
terremoto. Ele trabalha com agência de turismo. Estava dentro de um prédio e um
tijolo caiu em sua cabeça, mas ele dizia não sentir dor. Uma menina que estava
no grupo dele havia desaparecido, mas a encontraram mais tarde. Estava bem,
porém toda empoeirada. Ele havia conseguido tirar do país todo o grupo que ele
levou, só não havia conseguido sair ainda. Para nós seria um vôo de no máximo 5
horas. Ele teria 5 horas, e mais quase 15 horas até São Paulo, sem contar a
espera no aeroporto entre os vôos.
Finalmente o avião chegou, fomos para o portão de
embarque. No Nepal vamos a pé para o avião, e começou a chover, como na noite
anterior. Acabamos nos molhando na chuva, mas já não me importava. Eu só
queria voltar. Fiz uma refeição no avião e dormi, até chegarmos.
Era uma alívio estar de volta. Quando cheguei no meu
apartamento, apenas larguei as malas no corredor de entrada, tomei meu banho e
fui dormir. Estava esgotada e com a cabeça cheia de pensamentos tumultuados.
Precisava apenas me desligar. E os dias que seguiram foram um pouco
deprimentes, mas passou, estou bem e no Nepal as coisas estão se ajeitando.
Obrigada pela visita!