Deixando o Nepal

by - 15:08


O dia seguinte ao terremoto amanheceu bonito e ensolarado. Tomamos café da manhã, preparado no jardim, e aos poucos grupos de pessoas iam deixando o hotel. No dia anterior o aeroporto havia parado para  as aterrissagens, de forma que naquele período só saíram do país aviões que já estavam lá, prontos para decolar. Mas felizmente no dia seguinte as coisas foram voltando ao normal, bem aos poucos. 

Eu pensei nas crianças da escola. Felizmente ficaram bem, nada aconteceu com elas. Mas me deu uma tristeza pensar que talvez tivessem morrido e no trabalho tão legal que estava sendo feito para melhorar as suas vidas. De qualquer forma, como eu havia deixado doações no concierge do hotel, eu pedi para o gerente que deixasse que Lila (o motorista) levasse as doações para a escola. Lila veio trabalhar naquele dia e quando me viu me cumprimentou sorridente “Namastê madame”. Como se tudo estivesse bem... o local onde ele morava foi ao chão. Ele estava acampado em um jardim com a esposa. Me disse que a esposa não queria que ele fosse trabalhar, mas ele foi. Eu pedi para ele, que quando as coisas estivessem estáveis, que levasse as doações para a escola e o paguei.

Foi legal ficar deitada na grama no sol aquele dia. Eu sou muito nojenta em relação a limpeza e me vi deitada na grama. Andando na grama descalça. Sem contar que sempre coloco meus sapatos em saquinhos e tive que atirar meus sapatos de qualquer jeito na mala quando fui buscar minhas coisas, afinal precisava sair rápido do quarto.

Ficamos por ali. Já tínhamos um horário para sair do hotel. O avião que iria nos buscar estava a caminho. A internet estava funcionando bem. Já dava para entrar no hotel caso necessário, desde que fosse algo sem demora. Terremotos menores já não ocorriam. As coisas pareciam estar se normalizando.

Quando começamos a nos preparar para sair do hotel, aconteceu outro terremoto, quase tão forte quanto o do dia anterior! Eu estava me maquiando dentro do restaurante indiano e corri para o jardim. O terremoto passou e ninguém no hotel se machucou, mas internet e o telefone pararam de funcionar. E assim continuou.

Saímos do hotel do jeito que estávamos. Não era seguro estar embaixo de um teto. No caminho para o aeroporto eu torcia e rezava para que tudo estivesse bem e para que conseguíssemos chegar no aeroporto seguros. E chegamos seguros, mas antes disso vimos horrores!

As pessoas estavam na rua, em tendas improvisadas. O jardim do hospital era um grande acampamento. Casas e prédios destruídos, a cidade estava parada. Era triste demais ver tudo aquilo. Pensar nos mortos, nos feridos, na dor daquelas pessoas. Nós tínhamos a possibilidade de sair dali. Eles não!

Chegando no aeroporto,  o cenário era catastrófico. Filas de quilômetros, famílias (agora de estrangeiros) acampados na frente do aeroporto. Imagine, pessoas que viajaram em férias para conhecer um país diferente, estavam passeando e a catástrofe acontece! Nós ainda estávamos a trabalho. Não estávamos por conta própria, e tínhamos tudo certo para sair dali. Aquelas tantas pessoas esperavam uma chance, quando tantos estavam na mesma situação.

Tivemos que esperar por muito tempo ainda no aeroporto, que estava extremamente cheio. Eu já não me comunicava com minha família a horas. Enfim o telefone do piloto-paisão foi o único que teve sinal, e todos nós usamos o celular dele para mandar mensagem para as famílias e avisar que estávamos bem. Ajudamos o pessoal de solo no que foi possível. Aí vi outra situação. Os nepaleses que trabalham no aeroporto, sofrendo as perdas após o terremoto e trabalhando no meio do stress para que todas aquelas pessoas cansadas e ansiosas pudessem viajar. E dependendo de inúmeros fatores para conseguir acomodar o máximo de pessoas possível no avião. E estavam ali, firmes!

Conheci um senhor angolano que estava ali esperando para tentar embarcar em nosso vôo. Infelizmente ele não conseguiu. Conversamos bastante, como ele fala português ele me contou como ele havia experenciado o terremoto. Ele trabalha com agência de turismo. Estava dentro de um prédio e um tijolo caiu em sua cabeça, mas ele dizia não sentir dor. Uma menina que estava no grupo dele havia desaparecido, mas a encontraram mais tarde. Estava bem, porém toda empoeirada. Ele havia conseguido tirar do país todo o grupo que ele levou, só não havia conseguido sair ainda. Para nós seria um vôo de no máximo 5 horas. Ele teria 5 horas, e mais quase 15 horas até São Paulo, sem contar a espera no aeroporto entre os vôos.

Finalmente o avião chegou, fomos para o portão de embarque. No Nepal vamos a pé para o avião, e começou a chover, como na noite anterior. Acabamos  nos molhando na chuva, mas já não me importava. Eu só queria voltar. Fiz uma refeição no avião e dormi, até chegarmos.

Era uma alívio estar de volta. Quando cheguei no meu apartamento, apenas larguei as malas no corredor de entrada, tomei meu banho e fui dormir. Estava esgotada e com a cabeça cheia de pensamentos tumultuados. Precisava apenas me desligar. E os dias que seguiram foram um pouco deprimentes, mas passou, estou bem e no Nepal as coisas estão se ajeitando.


Obrigada pela visita!

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